1. Os Prenúncios de uma Guerra
Os dias em que a população açoriana viveu paredes-meias com forças
militares vindas do exterior, primeiro portuguesas e a seguir inglesas e americanas, foram precedidos por frequentes visitas de unidades navais dos países que pouco depois se enfrentariam numa sangrenta guerra.
Pelos meados da década de 1930 as duas grandes potências coloniais
europeias, a Grã-Bretanha e a França, assim como as duas emergentes ditaduras da Alemanha e da Itália, além dos Estados Unidos, procuraram, por diferentes razões, assegurar uma forte presença militar no Atlântico. Dado que os Açores representavam uma invejável posição estratégica, esquadras estrangeiras
procuraram encontrar no arquipélago bases de escala e reabastecimento.
Até mesmo o pequeno Portugal, na necessidade de garantir sólidas ligações
com os seus territórios insulares, africanos e asiáticos, reestrurou a Armada com a construção de dois avisos de 1ª classe (fragatas), outros de 2ª classe (corvetas), vários contratorpedeiros e três submarinos.
Nos anos imediatamente anteriores à eclosão da Segunda Guerra Mundial os
portos açorianos foram visitados por navios de guerra estrangeiros, talvez com
o fim de obter informações sobre uma utilização durante a contenda mundial
que se avizinhava.
Unidades da Royal Navy escalavam as ilhas. A Itália, que possuía uma estação de cabo submarino na Horta, aspirava a poder conseguir também aí uma base naval.
Sob o comando do Capitão-de-Fragata Karl Dönitz (1934-1935), futuro
Comandante-Chefe da Marinha de Guerra alemã, o cruzador-escola Emden, o primeiro navio de guerra alemão a ser construído depois de 1918, realizou uma viagem de circumnavegação, durante a qual aportou a Ponta Delgada por onze dias.
De igual modo a navegação aérea marcou o seu interesse pelos Açores. Em
1933 ancora nas águas da alo Balbo Horta, uma esquadrilha italiana de 24 hidroaviões, comandada pelo famoso piloto It. Nove dos aparelhos ficam aí e os
restantes seguem para Ponta Delgada, onde um deles se afunda, causando a morte do piloto.
Cinco anos mais tarde chega a Ponta Delgada uma esquadrilha de quatro
hidroaviões trimotores de reconhecimento, esta francesa. Deles, um voa depois até à Horta e outro atá Angra.
Num plano estritamente comercial, a Pan American World Airways efectua por
vários anos até 1933 testes na Baía da Horta para determinar a viabilidade
de uma rota transatlântica.
O plano só se vem a concretizar em 1939 com o estabelecimento de uma linha
de Clippers entre Nova Iorque e Marselha, com escala no hidroporto de Cabo
Ruivo, em Lisboa.(1)
Por esses anos Portugal não possuía evidentemente a capacidade de eficaz
resistência ante uma eventual intervenção bélica nos Açores por uma potência
estrangeira.
O Governo Português não se havia preocupado, antes de1937, em remodelar o
seu Exército, que pouco evoluíra desde a Primeira Guerra Mundial. Os uniformes e o equipamento eram ainda os mesmos e mantinham-se unidades de escasso valor operacional numa guerra moderna, como por exemplo um regimento de lanceiros e um batalhão de ciclistas.
A motorização era virtualmente inexistente. O Batalhão de Caçadores 5 albergava os dois únicos e já ferrugentos tanques de que as forças armadas
dispunham, o Pátria e o Liberdade. Utilizavam-se muares para carregar
metralhadoras e para movimentar as obsoletas peças de artilharia de calibre 7,5. Outro material era transportado em carroças puxadas por garranos e guiadas por
soldados pomposamente denominados condutores hipomóveis.
A Armada, como acima se mencionou, havia sido modernizada mas eram
reduzidos os seus efectivos. A Aeronáutica Militar contava com uns 30 aparelhos,
incluindo uma Esquadrilha de Bombrdeamento e a Aviação Naval dispunha de
alguns hidroaviões atracados à doca do Bom Sucesso, em Lisboa.
A Legião Portuguesa, que em 1939 havia atingido o seu auge com 53.000
filiados, oferecia contudo um triste espectáculo de falta de marcialidade.
A guarnição militar dos Açores compunha-se de um regimento de infantaria,
aquartelado no Convento de São João em Ponta Delgada, de outro em Angra do
Heroísmo(2), de um contingente de artilharia destacado para o Pico de Espalamaca, no Faial, e pouco mais..(3) Ao todo, as guarnições açorianas contavam com cerca de 4 000 efectivos.
NOTAS
(1) Esta linha aérea foi pouco depois descontinuada, devido à eclosão da
Segunda Guerra Mundial.
(2) Este regimento estava aquartelado no Forte (ou Castelo) de S. João Baptista. Daí a expressão terceirense “ir para o Castelo” no sentido geral de
cumprir o serviço militar.
(3) Quanto a forças paramilitares poder-se-ia mencionar os reduzidos
efectivos policiais de cada distrito. integrados em 1939 no Quadro Geral da PSP
e as três companhias da Guarda Fiscal, distribuídas pelos comandos de Ponta
Delgada, Angra do Heroísmo e Horta.
OS AÇORES À MARGEM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Os primeiros meses da Segunda Guerra Mundial não provocaram notáveis repercussões na vida portuguesa. Chega entretanto a primavera de 1940 e a invasão da França, levando à presença de forças alemãs na fronteira franco-espanhola, causa considerável apreensão nos círculos governamentais.
Salazar sabia bem que o arquipélago dos Açores era cobiçado por ingleses e
americanos para a instalação de bases. Eterno jurista, aceitava religiosamente a aliança com a Inglaterra que vinha desde o século XIV.
Ligado ideologicamente ao nazismo e sobretudo ao fascismo, receava contudo
que forças alemãs e italianas, com a condescendência da Espanha,(4)invadissem Portugal se aceitasse as exigências britânicas.
Já a 7 de Julho de 1940 o Ministro da Guerra enviara ao Comandante Militar
dos Açores um telegrama avisando que o arquipélago poderia ser atacado a
qualquer momento. A 20 vem outro telegrama prenunciando que também a soberania portuguesa poderia ser afectada a qualquer momento.
Era uma delicadíssima situação e talvez para a tentar despoletar foi decidido o reforço das guarnições militares dos Açores. Na realidde tratava-se de uma medida quase quixotesca perante o potencial bélico de tanto a Inglaterra como os Estados Unidos, mas foi-se para a frente com a iniciativa.
Assim, a 14 de Outubro de 1940 parte para os Açores um batalhão de infantaria, o primeiro contingente de tropas expedicionárias. A 1 de Janeiro de 1941 larga de Lisboa para Ponta Delgada o cargueiro Mirandela, com aviões militares a bordo.(5) Depois, desde 1 de Maio até Novembro é a vez do Carvalho Araújo, do Niassa, do Lima, do Serpa Pinto e do Lourenço Marques, todos com mais efectivos militares e material de guerra.(6)
Afortunadamente a invasão não se efectivou e mais tarde os expedicionários
puderam regressar ao Continente sem haver disparado um tiro em som de
guerra. No total, cerca de 26 500 militares vindos do Continente prestaram serviço no arquipélago.
Entretanto, talvez numa atitude de assegurar a tranquilidade da população
continental, o Presidente Carmona visita os Açores. Chega a Ponta Delgada a
26 de Julho de 1941 a bordo do Carvalho Araújo, escoltado por dois
contratorpedeiros e logo nesse dia, após um desfile militar, pronuncia um discurso em que inclui a frase “Aqui é Portugal!” que causou sonoro eco no País.
Esteve depois em Angra do Heroísmo e na Horta, onde de igual modo assistiu a
desfiles militares.
O período de paz esteve no entanto a ponto de ser interrompido. A 6 de Maio de 1941, com a aprovação do Presidente Roosevelt, o Senador Pepper pronuncia um discurso preconizando a ocupação militar pelos Estados Unidos dos
Açores, Cabo Verde, Canárias e Dacar.
A 22 Roosevelt ordena à Marinha que se prepare para colaborar na ocupação
dos Açores, após um pré-aviso de 30 dias. Tratava-se da chamada Operação
Gray.
Dois dias depois o Presidente determina, com o mesmo fim, a preparação de
uma força de fuzileiros. A 27 num discurso insinua que não se deve permitir
antecipadamente um ataque de potências inimigas da América às ilhas portuguesas do Atlântico e a possível necessidade da sua ocupação por forças
americanas.
A Operação Gray contrariava todavia os planos britânicos de estabelecer uma
base aérea na Terceira e a 2 de Junho o Primeiro-Ministro Winston Churchill
sugere aos Estados Unidos o adiamento da Operação Gray, dado o estado das
negociações em curso com Lisboa, ao que a 6 Roosevelt acede.
O perigo estava passado e a14 o Governo Americano declara que não deseja
qualquer mudança na soberania portuguesa sobre os Açores.
A guerra rondava no entanto as imediações do arquipélago e algumas
localidades açorianas tiveram ocasião de presenciar (e mesmo ser afectadas) por acções bélicas estrangeiras..
Um episódio intrigante ocorreu na madrugada de 27 de Dezembro de 1940
quando um cargueiro com bandeira de conveniência do Panamá se aproximava do porto de Ponta Delgada e foi alvejado por um submarino.
Dos cinco torpedos disparados nenhum atingiu o cargueiro mas um encalhou na
costa e outro embateu numa calheta e explodiu, causando danos em terra.(5)
Quanto à presumível nacionalidade do submarino, considerou-se a italiana,
dado marcas encontradas no torpedo que ficara intacto. Todavia, a 16 de Junho
de 1941 um ofício do Governador-Geral de Ponta Delgada acusava o
recebimento de um cheque no valor de 30 299$00 enviado pela Embaixada Britânica em Lisboa através do Ministério dos Negócios Estrangeiros como indemnização pelos prejuízos causaddo pelo incidente.
O facto sugere que as autoridades navais inglesas se consideravam responsáveis pelo ataque ao cargueiro, certamente levado a efeito pelo submarino Trident, que patrulhava as águas de São Miguel.
Outros ecos da contenda puderam também ser sentidos pela população civil.
Um dos mais trágicos foi o funeral na Horta, a 19 de Dezembro de 1941, de
militares canadianos vitimados pelo ataque de um submarino alemão ao paquete
Llangiby Castle, transformado em transporte de tropas. O submarino foi depois
afundado pelo inimigo mas alguns sobreviventes conseguiram alcançar a costa
do Faial.
da Segunda Guerra na Minha Terra ” (11), op. cit.
OS AÇORES À MARGEM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
3. A Época dos Ingleses
OS AÇORES À MARGEM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
4. A Época dos Americanos
Uma vez concedido aos ingleses o uso do campo de aviação das Lajes(1) na
Ilha Terceira, os americanos começaram a insistir em compartilhá-lo.Para isso
buscaram a intervenção do embaixador britânico em Lisboa, decerto na convicção de uma maior receptividade do Presidente do Conselho a uma actuação anglo-americana.
Aliás fora já desde antes de Pearl Harbor que o Governo dos Estados Unidos
havia levantado a questão com Portugal, encontrando-se contudo com uma
férrea resistência por parte do Governo Português.
Salazar sempre mantivera forte desconfiança quanto às intenções dos americanos, desconfiança essa por certo não desprovida de fundamento. Receava ele que os Estados Unidos ocupassem os Açores para aí instalar bases.
De facto o Presidente Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill encaravam essa hipótese. Roosevelt pensava inclusivamente na
utilização de forças brasileiras para uma operação contra as ilhas, talvez calculando que os brasileiros não fossem recebidos com tanta animosidade como os americanos.(2)
Negociações secretas com o Governo Português haviam contudo começado a ter
lugar, já que ingleses e americanos se propunham a uma acção conjunta nas
Lajes. A 17 de Outubro de 1943 o Ministério do Ar britânico informa o seu
comando nos Açores da chegada ao arquipélago de uma missão militar americana em traje civil para estudar o melhoramento das instalações da base aérea.
A 24 o mesmo Ministério pede que se envie o major Humberto Delgado aos
Açores para solucionar possíveis problemas relacionados com a presença de
“civis” americanos trabalhando nas obras de alargamento das pistas da base aérea.
A 1 de Dezembro de 1943 ingleses e americanos chegam oficialmente a um
acordo para o funcionamento conjunto da base das Lajes.
Eram contudo distintos os seus propósitos. Os ingleses necessitavam as pista
s para o luta anti-submarina(3) e os americanos como ponto de escala e
reabastecimento dos voos militares transatlânticos.
A 31 desse mês de Dezembro Salazar tem um encontro com o novo embaixador
americano, Henri Norweb, amigo pessoal de Roosevelt, e acede a permitir uma
presença americana.
Sem embargo, sempre receoso de consequências, exige que as forças
americanas permaneçam sob comando britânico e persiste em entravar o andamento das negociações.
Possivelmente procura ainda ganhar tempo até que a Alemanha se encontre
numa posição mais débil, com menores possibilidades de um ataque a Portugal.
Na altura do desembarque britânico a pista das Lajes havia já sido prolongada pela Engenharia Militar portuguesa. De terra batida, com os seus 3,200 metros de comprimento e 91 de largura era então a mais extensa do mundo.
Tempo depois, os ingleses, coadjuvados por trabalhadores portugueses, revestiram a pista de placas de aço. (Ainda mais tarde os americanos iriam asfaltá-la.)
A 9 de Janeiro de 1944, no entanto, o Presidente do Conselho informa o Governo Britânico de que dera ordens às forças portuguesas dos Açores para resistir ao desembarque de qualquer contingente americano que não se encontrasse sob o comando britânico.
De facto, quando chega a Angra o navio Abraham Lincoln com os 500 homens de
um batalhão de construção da Marinha, o comando militar português recusa por algum tempo autorização para qualquer descarga de material. É então que os
americanos insistem nos seus propósitos, como condição para o seu auxílio na libertação de Timor, então ocupado pelos japoneses. Salazar acaba por aceder e é ainda em Janeiro que desembarcam as primeiras forças americanas.
Tanto para a Grã-Bretanha como para os Estados Unidos foram apreciáveis as
vantagens obtidas pela concessão de facilidades. Nos princípios de Dezembro
de 1943 os submersíveis germânicos haviam sido virtualmente afugentados das
águas açorianas.(4)
Por outro lado, o Air Transport Command americano utilizou a base das Lajes para ligações com a Grã-Bretanha e com a África e para o envio de material e tropas. As bases serviram também como escala de reabastecimento de aparelhos a serem empregados nos teatros de operações da Europa e do Norte de África.
Como resultado de frequentes pedidos americanos, a 10 de Outubro de 1944
Salazar acaba por ceder à pressão e concede todas as facilidades desejadas
para a utilização de uma base em Santa Maria.
Depois do fim da guerra na Europa foi necessário transferir aviões e tropas
para o Pacífico e os Estados Unidos pedem autorização a Portugal para utilizar o aeroporto de Santa Maria com esse fim.(5)
Afortunadamente tudo terminou em bem para Portugal. Mesmo o modesto apoio
concedido à Inglaterra e aos Estados Unidos poderia ter posto em risco a neutralidade portuguesa.
Uma inclinação para um ou outro lado das facções em conflito era todavia inevitável e, em retrospectiva, há que concluir que foi acertadíssimo o procedimento do Governo Português ante este dilema.
NOTAS
1) Uma curiosa achega: já no longínquo ano de 1928 o tenente-coronel da
Aeoronáutica Militar Eduardo Gomes da Silva havia sugerido que se criasse um
campo de aviação nos terrenos planos das Lajes. A sugestão não foi aceite e o
campo estabeleceu-se na Achada.
(2) Recorde-se que em Agosto de 1942 o Brasil, como resposta a ataques
por submarinos alemães e italianos à sua navegação, se havia unido aos Aliados
na luta contra as potências do Eixo.
(3) Logo a 9 de Novembro de 1943 aviões britânicos afundam o seu primeiro
submarino.
(4) Desde as Lajes seguiram também para a Europa balões de barragem a serem
usados como protecção contra ataquea aéreos alemães.
(5) 50% destes movimentos processaram-se através dos Açores
Em Crónica - Carta da Califórnia Portuguese Times http://www.portuguesetimes.com/
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